Passa o
tempo, passam ônibus e trens, aviões e horas extras, poemas, canções e festas,
passa o sol, a lua, o mar, madrugada e coração, cigarro e filme do Bergman, o
Caetano e o Dylan juntos, passam Rilke e Camus, o estrangeiro dos meus
olhos, passa o Sartre que eu odeio (a náusea me apagou), passa a figueira
e o banco, a praia vazia e o vento, ligações não respondidas, outras tantas
desejadas, delírios de insônia fria, conversas intermináveis, silêncios frios
de morte, uma cabeça espiando pela fresta da distância, uma namorada alheia, um
terrível namorado , a confusão espiral dos corações desenlaçados, outra
palavras despidas de sentido e sem poesia (aquele outro não via, não via;
aquela outra, eu me abstenho da forma vazia), passam Freud e Dalí me explicando
a minha mente, passa a gente se encontrando de repente, lindamente por acaso,
naqueles dias tão dúbios de entrega e exigência (entrega tão grande e forte que
é como jogar-se ao abismo, e eu cantava "en un abismo yo te esperé, por el
abismo yo me enamoré" nos dias de ódio, quando pensei que a espera
sou eu quem causo, exijo, imponho e meço, a espera é minha sombra e a distância
meu reflexo), passam teus olhos doentes, escuros e misteriosos, e tão doces que
me perdia dentro deles ('como me he perdido por el mar'), passa o fôlego que
tomo toda vez pra escrever quando cada palavra parece uma flor ou um espinho, e
as lágrimas as lágrimas as lágrimas, um rio de mágoas escondidas na memória
fluindo roucas pelo caminho do abismo e caindo frias na música com a tua cara e
o teu fantasma que nem que fosse fantasma o seria, a tua carne não se desfaz na
memória, 'e eu estou na matéria que te cerca', e poemas e poemas e poemas,
e palavras e músicas e penas e alegrias tardias e inglórias e tristezas maiores
que a noite e o sol. E este é o fim? Aqui estamos, imobilizados nas bordas do tempo.
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